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Como o Bahia recuperou contas com gestão para ser forte na Série A 

por @rodrigomattos em 17 de Setembro de 2019 10:10

Há cinco anos o Bahia vem reduzindo custos e reestruturando suas dívidas. Resultado: tem um débito líquido (R$ 160 milhões) inferior à receita anual (R$ 180 milhões previstos para 2019), paga suas contas em dia, engajou sua torcida com alta média de público e está em 7o na tabela do Brasileiro. Conseguiu dentro do seu patamar repetir os processos de clubes como Flamengo, Palmeiras e Grêmio. 

A fórmula: primeiro, a redemocratização do clube que chegou com Fernando Schmidt e, segundo, a profissionalização e plano de recuperação financeira com Marcelo Santana até achegar a Bellintani para dar um salto de receitas.  Não foi um processo livres de pedras já que o clube ficou na Série B uma parte desse período, e houve o Profut para alinhar dívidas fiscais. E nem é um projeto concluso. Mas o clube baiano se arrumou aprendendo a saber o seu tamanho e até onde podia gastar, e engajando sua torcida na recuperação. 

Por isso, Bellintani vê como ruim a ideia do projeto de lei da Câmara de clube-empresa que inclui um novo Refis (refinanciamento e benefícios para dívidas fiscais) e a possibilidade de recuperação judicial (com paralisação de dívidas privadas). Entende que é preciso aperfeiçoar o texto proposto pelo deputado Pedro Paulo (PMDB-RJ). Confira a entrevista feita pelo jornalista Rodrigo Mattos, do Portal Uol Esportes, sobre o seu clube no contexto do futebol brasileiro.

Blog: Como foi o caminho para o Bahia chegar ao estádio de equilíbrio de contas atual?

Guilherme Bellintani: O caminho foi conhecer os nossos limites. Tem uma lógica no futebol de que você cai em um ciclo em que, quanto mais você está mal, mais precisa gastar. Conseguimos renegociar as dívidas de curto prazo para longo prazo de um jeito que conseguiríamos cumprir, fizemos com dívidas trabalhistas e cíveis. Colocamos limites orçamentários, vamos gastar o que pode gastar. A primeira coisa foi barrar superestrelas, salários milionários. Só aumentamos o orçamento quando dava. Na Série A, se você não investir, está assumindo um passaporte para cair. É possível fazer orçamento estruturado e combinar isso com a gestão do futebol. A Chapecoense é um exemplo disso por anos, Fortaleza, Ceará são outros.

Blog: Mas basta vontade política ou tem que ter pessoas competentes na gestão?

Bellintani: Não, não tem uma pessoa empregada por indicação política no Bahia. O Bahia não tem vices-presidentes ou diretores não profissionais que estão lá para não receber salários. A gente não acredita nisso. A gente acredita em uma gestão profissional. Tem só quem foi eleito presidente. Praticamente todo mundo que é funcionário é torcedor, mas, hoje, demito quem quiser, nenhum conselheiro pode apitar. Presidente e conselheiro têm os papeis deles. Conselheiro indicar alguém para trabalhar é motivo de repreensão dentro do clube. É preciso também inovação. Saímos de receita de R$ 90 milhões para R$ 180 milhões.

Blog: Quais as fontes para aumentar a receita?

Bellintani: Tínhamos 14 mil sócios-torcedores, e agora temos 43 mil no plano. A gente tem 32 mil sócios com ingressos vendidos para o Brasileiro.

Blog: Como foi possível? Com desconto?

Bellintani: Não no preço total que é mais caro. Mas com desconto nos produtos. Sócio paga R$ 3,00 na cerveja o que custava R$ 6,00. A marca própria permite dar desconto na camisa que não conseguíamos. É uma combinação de coisas. Se eu não tivesse a marca própria, não poderia vender a camisa mais barato. Com a Umbro, o Bahia tinha 10% de royalties. Hoje são 35%.  Tenho R$ 38,00 por camisa enquanto antes tinha R$ 11,00. A Umbro me dava o enxoval e R$ 300 mil por ano. Era muito pouco. Vendo 130 mil camisas e antes eram 70 mil. São R$ 3,5 milhões a mais em camisas. Antes tinha R$ 1 milhão com isso. O que importa é sinergia com outros negócios como o plano de sócios. Dou desconto no que eu quiser. Posso dar a camisa se o sócio for adimplente por 18 meses. Clube preguiçoso não faz por que a receita no início não é grande, mas se somar tudo… A loja que inauguramos deve dar R$ 8 milhões de faturamento. É um crescimento significativo.

Blog: E a venda de atletas como ficou?

Bellintani: A gente é junto com o Palmeiras o clube com menos jogadores emprestados. Só esse ano fizemos cinco negócios diretos com a Europa. Não são grandes, mas vai criando cultura de relacionamentos internacionais. Zé Rafael foi de R$ 14 milhões, para o Palmeiras, a maior venda do clube. Ramires, se for confirmada a venda (empréstimo com número mínimo de jogos), será de R$ 30 milhões. O Talisca, quando a gente foi fazer o negócio em 2014, os empresários tinham 120% dos direitos. Imagine isso? O Bahia reuniu todos e disse: "Vocês juntos vão ter 50% e o Bahia 50% ou a gente não vai vender." Aquilo é um símbolo do fundo do poço. Se não reestruturar a dívida e mudar a política de contratação, não dá. Como um clube falido vai contratar um jogador de R$ 600 mil? Não disputamos o centro da sopa, vamos pelas beiradas. Dá trabalho, não é fácil.

Blog: E como foi feita a reestruturação da dívida? Como ela é composta?

Bellintani: Temos R$ 110 milhões no Profut da dívida discal, R$ 30 milhões trabalhistas, e R$ 25 milhões cíveis. Não tem restrição de contas, bloqueio de contas. A gente faz um negócio que pode cumprir. O cara acredita no Bahia. Eu não contrato jogador de R$ 600 mil e deixo a dívida sem pagar. Eu sei o meu tamanho. Reconheça o seu tamanho. Um clube para se recuperar tem que montar um time para não cair, de operários, sem craques. Diminui o seu sarrafo. Fala para a torcida: "Nosso foco por três anos é não cair." Tem que reconfigurar com a torcida. Tem clube que monta folha para almejar o topo da tabela, não consegue, e depois piora a situação.

Blog: Tendo feito essa recuperação, como vocês viu esse projeto de lei que prevê um novo Refis e a possibilidade de paralisar dívidas privadas com a recuperação judicial?

Bellintani: Acho muito ruim. Refinanciar todas as dívidas fiscais é uma afronta ao Estado Brasileiro. É o que vejo como cidadão. A recuperação judicial acho equivocado porque credores não sabiam disso quando se formou a dívida. E agora terão de receber com recuperação. Tem credor que tem direito a receber. Você deve, por exemplo, R$ 5 milhões a um restaurante que forneceu comida para o clube por cinco anos. É uma cultura que não consigo conceber como positiva (de paralisar dívidas). Mas tenho visto do deputado Pedro Paulo e do presidente Rodrigo Maia uma boa conexão com os clubes para ajustes no projeto.

Blog: Neste processo em que clubes se recuperaram, o Flamengo é tido como exemplo. Mas um argumento de torcidas de times com problemas é que o clube conseguiu por que tem receita acima dos demais. Só é possível reestruturar as contas com receita alta? 

Bellintani: A grande referência é o Flamengo. O Bahia é um caso que mostra que é possível se corrigir e se reestruturar com receitas limitadas. O Bahia era e vai ser o 14o orçamento do futebol brasileiro ainda neste ano. Nós eramos os 14o com R$ 95 milhões e vamos continuar a ser com R$ 180 milhões por que o Athletico-PR que era o 13o vai subir bastante. Mas diminuímos muito a diferença para os outros. O Bahia é o clube que mais cresce a receita, talvez junto do Fortaleza que subiu para a Série A.

Blog: É falso esse argumento então de que não dá para ajeitar clube sem muito dinheiro?

Bellintani: Não tenho a menor dúvida. Mesmo que fosse difícil, os clubes não estão fazendo nem o básico. Nem estabilizar a dívida eles estão fazendo. Não importa o tamanho do clube, é possível estruturar financeiramente. O problema é o clube que já ficou médio ou pequeno em investimento e quer investir como time grande. É esse o desejo da torcida. E o dirigente se comporta como de grande clube quando não é. É como um empresário que foi grande, tinha muito dinheiro e faliu, e continua com uma Ferrari.

Blog: Mas para o Bahia é bom que outros clubes não se estruturem por que ele avança no cenário nacional, não é?

Bellintani: É bom, mas não é. Eu jogo com clubes que estão endividados e estão com dois ou três meses de salários e têm uma folha três vezes a minha. Na hora que entra em campo, ele é mais competitivo do que eu. Continua, em tese, errado.


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